Receptação (art.º 231º do Cód. Penal)
Receptação é o crime previsto no artº 231.º do Cód. Penal, pelo qual alguém, com intenção de obter vantagem patrimonial recebe um bem que sabe ter uma proveniência ilícita. Incumbe sobre quem recebe o bem, assegurar que aquilo que vai receber tem uma origem lícita. Quem praticar este crime sujeita-se a pena de prisão até 5 anos e de multa até 600 dias.
Em 1520, D. Manuel I de Portugal mandou pintar um pequeno quadro de 33x25cm com um cristo de mãos abertas e olhos semicerrados. Esta pintura nasceu expressamente para ser oferecida ao Imperador Etíope, ficou conhecida para a história como Kwer'ata Re'seu. Tem especial importância o facto de esta obra ter integrado o séquito que acompanhou a primeira embaixada europeia formal a um país africano, que o elevou a ícone nacional.
Esta imagem sacra que se tornou um ícone de extrema veneração, foi saqueado em 1868.
Na mesma época, o Museu Britânico tinha como enviado naquela parte do globo, Richard Holmes, cuja missão era precisamente comprar antiguidades aos militares.
Assim adquiriu o quadro, quem sabe, se com o dinheiro do Museu, mantendo-o na sua posse. Após a sua morte, a obra foi leiloada em 1917 pela Leiloeira Christie's e vendida a Martin Reid por 450 libras.
Em 1950 voltou a ver vendida na mesma leiloeira, a Luís Reis Santos, diretor do Museu Machado de Casto entre 1950 e 1950. Luís era profundo conhecedor da obra e da sua origem, tendo escrito sobre ela na revista Burlington Magazine dm 1941.
O Kwer'ata Re'seu encontra-se hoje nas mãos da herdeira de Luís Reis Santos, tendo a obra sido classificada , o que impede que seja exportada sem autorização expressa do Ministério da Cultura.
Com o fim do colonialismo, iniciou-se um movimento internacional para a devolução da arte e artefactos históricos saqueados pelos países da Europa. Movimento esse apoiado pela própria UNESCO, com entrada em vigor de uma convenção para o efeito em 1995.
Esta convenção prevê que, o possuidor privado de qualquer objeto de arte ou artefacto histórico seja obrigado à sua restituição, mesmo que o tenha adquirido de boa-fé.
O jornal Público do dia 20 de setembro de 2023, traz esta história ao publico, dando a conhecer a opinião crescente em Portugal, de que o estado deveria adquirir a obra para a restituir à Etiópia.
Sendo o estado o conjunto de todos os cidadãos, compreende-se mal que todos os cidadãos de um país tenham de pagar, através do valor dos seus impostos, a aquisição de uma obra que indevidamente chegou ao seu atual possuidor.
Mais acresce que, a responsabilidade do estado português neste caso de reparação histórica é nula, não tendo sido potencia colonizante na Etiópia, nem sequer o estado responsável pelo emissário do Museu Britânico, que já agora, é um museu público.
Se o estado português deveria tomar uma posição ativa, impondo as convenções de direito internacionais e convidando a atual possuidora à entrega de um objeto ao qual sabe não ter direito possuir? Certamente. Ser o erário publico a suportar uma compensação pecuniária para a restituição? Claramente não.
